sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

O Vampiro de Curitiba, Dalton Trevisan

Ficha Técnica

Gênero: Contos
Ano de lançamento: 1965
Ano desta edição: 2012
Editora: Editora Record
Páginas: 126
Idioma: Português

Citação: "- Suas formas, pelo que vejo, são ideais. Qual é o manequim?
- Quarenta e quatro em cima. Depois alarga para quarenta e seis.
- De busto?
- Noventa e três.
O herói fechou o olho: Ai, que beleza! Ai, que bom, noventa e três!
- De quadris?
- Pouco mais.
- Noventa e cinco?
- É.
Ó, Deus do céu, noventa e cinco!"


"O Vampiro de Curitiba" não é um sanguessuga noturno, que bebe o sangue das artérias de suas vítimas, muito menos um rapaz branquelo com cara de tonto que brilha à luz do sol, vamos deixar bem claro. Ele é um galanteador, um assanhado, um comedor, um sem caráter, petulante, e quaisquer outros adjetivos afins. Nelsinho, o único personagem comum a todos os contos desse livro, só tem um objetivo: desfrutar do mundo o que ele tem de melhor a oferecer, e isso tem um nome - mulher! Trevisan conseguiu criar um personagem tragicômico neste livro - cômico em sua persistência, às vezes ridícula, na arte do flerte, e até mesmo a falta de senso de ridículo em algumas escolhas que faz; trágico em algumas desventuras, em seu caráter às vezes questionável, em seu desrespeito a algumas mulheres.

Trevisan varia o foco narrativo da 1ª para a 3ª pessoa em alguns contos, mas quando utiliza-se da 1ª pessoa entramos em contato com a personalidade conflitante de Nelsinho: sempre evocando Deus, mas com falhas de caráter visíveis... No primeiro conto, "O Vampiro de Curitiba" se apresenta ao andar pelas ruas da cidade e comentar sobre as mulheres ao seu redor... Seu relato é um mixto de súplica e lascívia ("Gênio do espelho, existe em Curitiba alguém mais aflito que eu? Não olhe, infeliz! Não olhe que você está perdido.") e quase é possível sentir pena de Nelsinho. Mas isso é só até o segundo conto com "nosso herói", tratamento usado diversas vezes por Trevisan durante o livro, pois é isso que Nelsinho é: o herói do macho comum, intrépido desbravador das intimidades femininas, tarado, safado e intrometido. Pois em "Incidente na loja" ele não só mente descaradamente na empresa, dizendo que podia se atrasar no almoço por estar recebendo um parente que chegava de viagem, como escolhe sua vítima (sem aspas mesmo: "É ela. Obrigado, Senhor. Eu não mereço"), desvia de conhecidos para não dar bandeira, e não se faz de rogado à primeira oportunidade de agarrar à força a mocinha, depois de ajudá-la a (quase) abrir a loja em que trabalha; consumado o ato, consentido ou não, Nelsinho pode se vangloriar de algo: conseguiu, mesmo com toda a ação, bater o ponto no horário.

Com muitos encontros furtivos, Nelsinho também se encontra em situações indesejadas. O encontro com a antiga professora em "Visita à professora" acontece de maneira totalmente oposta ao que ele esperava, mas o bravo guerreiro não foge à luta; Nelsinho é um gentleman, não pode deixar de marcar pontos sob o risco de manchar sua reputação, apesar de não muito propenso a fazê-lo ("Na sombra distinguiu a cama, os dois travesseiros, a dona inteirinha nua. Suplicante, estirou-lhe os braços, crispando os dedos no vazio. Irresoluto, o moço apoiou o joelho na cama"). Em "As Uvas", Nelsinho acaba tendo que enfrentar o maior terror dos homens: sua falta de virilidade na alcova; em "A Noite da Paixão", desesperado por uma companhia ("Dobrando a esquina, deu com a pracinha do bebedouro antigo - onde as mariposas?"), acaba encontrando uma companheira "profissional" dentro da igreja. Não acaba sendo bem o que queria: na furtividade do tratamento na igreja, só percebe ao chegar ao hotel que a garota é desdentada. De novo, Trevisan utiliza-se das imagens religiosas para delinear mais um pouco do caráter dúbio de Nelsinho ("Com susto, descobriu que era banguela. Nem um dente entre os caninos superiores - terei de beber, ó Senhor, deste cálice?").

Trevisan também coloca alguns contos com o Doutor Nelson, homem casado, advogado, que nem por isso deixa de flertar com mocinhas, ou pior ainda (ou deveria dizer "melhor ainda"?), com suas clientes. Em "Menino Caçando Passarinho" as investidas do Doutor são hilárias ("Aqui no escritório muita interrupção. Levo os papéis a um lugar sossegado. No hotel da estação, está bem?"). No não comparecimento da mulher, novas investidas ("Sentados no sofá [do escritório], a bela concedeu-lhe a mãozinha, que cobriu de beijos inflamados. 'Olhe que eu saio.'"). O resultado acaba sendo uma lição para aqueles que não perseveram em seus objetivos. Doutor Nelson é um trabalhador.

Em se tratando de falta de caráter, Nelsinho faz pior: ao flertar com uma mulher adúltera e receber uma negativa, ele trama uma vingança que envolva todos os membros do triângulo amoroso em "Último Aviso"; em "Chapeuzinho Vermelho", ao ser enxotado do quarto de sua pequena, acaba, ao tentar sair do apartamento escuro, no quarto da mãe dela, uma senhora gorda, que de tanto se insinuar, o fazia se questionar: "Era a avozinha ou, no quimono fulgurante de seda, o próprio lobo?". O resultado final não é de surpreender; e em "Debaixo da Ponte Preta" Trevisan narra, novamente, um estupro: uma garota negra de 16 anos é estuprada por seis homens (entre eles, um garoto de 13 anos chamado Nelsinho). Trevisan utiliza-se de uma linguagem bastante jornalística, narrando os fatos sob o ponto de vista de cada um dos envolvidos (a garota, o policial que a encontrou, os seis estrupadores), com todas as discrepâncias que as histórias deles possam ter entre si, se comparadas, como se tivesse tomado o depoimento de cada um deles. Simplesmente genial.
As orelhas do livro estão recheadas de críticas positivas aos contos de Dalton Trevisan, todas elas publicadas em jornais americanos, como o New York Times, o que só comprova a qualidade de um dos maiores contistas brasileiros, junto com um dos personagens mais singulares da literatura nacional.

Um comentário:

  1. Ótimo livro, ótimo comentarista. Uns anos atrás, no teatro do Sesi teve uma peça com um texto dele, fui assistir três vezes de tão boa que achei.

    ResponderExcluir