terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Guerra Conjugal, Dalton Trevisan

Ficha Técnica

Gênero: Contos
Ano de lançamento: 1969
Ano desta edição: 2006
Editora: Record
Páginas: 187
Idioma: Português

Citação: "Sendo o senhor meu marido um manso sem-vergonha, logo venho buscar as meninas que são do meu sangue, você bem sabe que do teu não é, não passa de um estranho para elas e caso não fique bonzinho eu revelarei o seu verdadeiro pai, não só a elas como a todos do Buraco do Tatu, digo isso para deixar de ser nojento correndo atrás da minha saia, só desprezo o que eu sinto, para mim o senhor não é nada."


Dalton Trevisan é comumente tratado por "o vampiro de Curitiba" (título de outro livro seu), e este livro dá o tom disso. "Guerra Conjugal" reúne contos diversos protagonizados por casais diferentes (e, em muitos casos, insólitos). Os contos são ambientados em Curitiba, como era de se esperar, na década de 60; uma época em que tradições eram mais valorizadas, e que os costumes e hábitos eram bem diferentes.

Trevisan tem uma escrita que é pomposa, mesmo quando representa gente simples: a mulher que trai o marido, o marido que bate na mulher, o marido que não dá no couro, que bebe demais, a mulher adúltera, o amigo cobiçoso da esposa do próximo; casos cotidianos dos subúrbios de qualquer grande cidade. Para enfatizar isso, Trevisan utiliza-se de um recurso interessante: todos os protagonistas dos contos são João e Maria, como centenas que existem por aí, protagonizando seus pequenos infernos domiciliares, vivendo em seus mundinhos medíocres.
Em alguns contos, o roteiro torna-se repetitivo, um ranço de "eu já li essa história antes", o que torna a leitura enfadonha ocasionalmente; em outros casos, como em "A Normalista", uma visita a um prostíbulo acaba revelando-se algo muito maior, com um final que surpreende. 
A partir da metade do livro há uma grande melhora. É quando Trevisan varia um pouco os temas, trazendo visões perturbadoras sobre assuntos tabu, que nem todo mundo se atreveria a escrever sobre: em "Idílio Campestre", uma menina acaba acuada por um homem, e é estuprada. Trevisan não entra em detalhes, mas o choque de tal ato é compensado por uma escrita que consegue demonstrar beleza até mesmo em um ato tão vil ("Ele a agarrou, derrubou, nela se deitou. A menina chorou, gritou, chamou o nome de Deus. Ele apertava a garganta, deixando-a sem ar. Rasgou-lhe o vestido, de tanta dor ficou cega.").

Em "A Traição da Loira Nua", um marido traído recorre a meios não ortodoxos para restaurar sua honra, e em "A Noiva do Diabo" uma conversa entre padrinho, comadre e enteada toma rumos inesperados ao discutir o casamento da última. Como em "A Normalista", Trevisan deixa para o último parágrafo um desfecho surpreendente, seja para causar risos ou sobressaltos, dando grandeza aos contos. Em "Batalha de Bilhetes", um casal já idoso deixa de se falar, e passa a se comunicar somente por recadinhos. Orgulho e teimosia idosa com doses esparsas de ironia.

Como se tal não fosse chocante o suficiente, Trevisan ainda aborda uma amizade mais "profunda" entre dois amigos. O homossexualismo mostrado em "Paixão segundo João" é praticamente platônico; fosse uma Joana ali, e o roteiro de uma novela das 6 se desenrolaria diante de seus olhos. Em "Os Mil Olhos do Cego", a história já é diferente: o João que reencontra um ex-colega de faculdade já é bem mais decidido sobre o que quer, e não poupa palavras para deixar bem claro quais são suas intenções a um amigo surpreso, sem reação ("Sustento o meu nojo da fêmea. Casei-me por exigência da profissão [...] Toda fêmea é uma flor podre. Sob o perfume a catinga de cadela molhada [...] Os gregos - não eram os persas? - bem sabiam. O velho Sócrates só dormia com um menino nos braços [...] Sempre tive uma fraqueza por você - e, minha boneca, bem sabe disso"). 

Trevisan examina as vicissitudes dos relacionamentos, as paixões mal resolvidas, sem emitir opinião, descrevendo os personagens e seus sentimentos, suas frustrações e medos, ele consegue fazer sua imaginação voar com aqueles pequenos trechos de histórias alheias, que sabe-se lá como prosseguiram e terminaram.

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